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O SANTO CURA D´ARS, Cônego Francis Trochu, doutor
O SANTO CURA D´ARS, Cônego Francis Trochu, doutor

 

O SANTO CURA D´ARS, Cônego Francis Trochu, doutor em Letras

Obra premiada pela Academia Francesa

Resenha para o Site da Associação Rumos, por Joarez Virgolino Aires.

Pela solenidade do Sagrado Coração de Jesus, 19 de junho do corrente ano, quando se celebrou também o 150º aniversário da morte do santo Cura de Ars, o Papa Bento XVI convocou um Ano Sacerdotal (19/06 de 2009 a 19/06/2010), proclamando São João Batista Maria Vianney como padroeiro de todos os sacerdotes do mundo.

O Papa ressaltou que esta celebração deve incluir todos os presbíteros do mundo inteiro, inclusive os que deixaram o ministério para casar-se.

Assim, neste espírito e neste contexto, entendo que vale a pena apresentar aos colegas da Associação Rumos, MFPC a excelente biografia, valiosa obra literária do Cônego Doutor Francis Trochu, premiada pela Academia Francesa.

A edição que tenho em mãos é a terceira, revista e melhorada, pela Editora Littera Maciel, LTDA, de 1997, Contagem, MG.

Incluindo a resenha bibliográfica, e o índice, com 3 páginas cada, o livro se desdobra em 31 capítulos, organizados em duas partes: a primeira sobre Os Anos de Preparação (1786-1818) e a segunda parte descrevendo O Ministério Sacerdotal em Ars (1818-1859), perfazendo o livro todo 415 páginas.

Entre as grandes qualidades de O Santo Cura d´Àrs do Cônego Francis Trochu destaca-se o fato de ter sido o seu autor o primeiro que dispôs de todas as peças do Processo de Canonização e de numerosos documentos inéditos. Outra vantagem, não menor, do autor, foi ter tido a suficiente humildade para calar-se muitas vezes e deixar que falassem o biografado e numerosos contemporâneos seus. Assim, temos uma biografia diferente e rara na literatura cristã, onde o Santo aparece como foi de fato e não como o autor imaginou que fosse.

Os ANOS DE PREPARAÇÃO (1786-1818)

João Maria Batista Vianney nasceu no dia 8 de maio de 1786 no povoado Ecully, proximidades de Dardilly, filho de Mateus Vianney e Maria Beluse, cristãos fervorosos. Era o terceiro dos cinco irmãos. Foi batizado no mesmo dia. Herdou seu nome do tio paterno, seu padrinho. Menino ainda, com apenas três anos de idade, por iniciativa própria, já rezava sempre de joelhos, juntando as mãozinhas. Já, desde tenra idade se deliciava em ouvir sua mãe contar a História Sagrada.

Aos 13 anos, na clandestinidade imposta pela Revolução francesa, fez sua primeira comunhão. Mais tarde, não falava deste dia sem profunda comoção, vertendo lágrimas. Aos 50 anos de idade, ainda exibia, com orgulho, aos seus catequizandos de Ars, o seu terço de neo-comungante. Aos dezoito anos fez sua primeira investida para obter consentimento paterno para seguir a carreira eclesiástica. Obteve esta autorização dois anos mais tarde, aos vinte anos de idade.

O jovem João Maria, embora de cativante simpatia, tinha muita dificuldade nos estudos, sobretudo com a gramática latina. Seu mestre desta época, padre Deschamps relata um episódio que mostra bem o perfil de Vianney. Um dos colegas, de maior destaque, foi indicado para auxiliá-lo. Diante da dificuldade de entendimento do Vianney, o jovem deu-lhe uma bofetada, na presença dos colegas. Vianney, embora de temperamento forte, e um vigoroso rapaz de 20 anos, ajoelhou-se diante do menino de 12 anos, que, comovido e tocado de arrependimento, até as lágrimas, atirou-se aos braços de João Maria. Mais tarde, missionário nos Estados Unidos e depois bispo de Dubuque, jamais se esqueceu deste profundo gesto de humildade de um servo de Deus.

Além da grande dificuldade nos estudos, outra prova foi a fase de sua convocação compulsória para o serviço militar. Por circunstâncias estranhas à sua vontade, acabou caindo na clandestinidade. Eis o que, a este propósito, declarou o Conde Garets, burgomestre de Ars: O padre Vianney foi levado por circunstancias, sem premeditação alguma de sua parte, ao estado de deserção. O mesmo é confirmado pela Condessa de Garets.

O padre Balley, Cura da cidadezinha Ecully, a 30 quilômetros do povoado de Ars foi o benfeitor providencial que, qual anjo da guarda do piedoso João Vianney foi superando todos os obstáculos que o fraco aluno Vianney não conseguia vencer.

Assim é que sua admissão ao curso de teologia teve a seguinte sabatina: – sabe rezar o rosário, é piedoso? A graça de Deus fará o resto. Além disso, outra circunstância que favoreceu os projetos de João Vianney era o contexto histórico. A revolução francesa esvaziara os Seminários e após a abdicação de Napoleão, no ano de 1812, os alunos de primeiro de teologia eram admitidos em massa.

Eis como um condiscípulo de Vianney o descreve no curso de teologia: aos 25 anos já tinha o aspecto de um asceta. O recolhimento, a modéstia, a abnegação de si mesmo, a penitência levada à maceração, refletiam-se em todo o seu exterior. Se todos os 250 seminaristas que viviam em Santo Irineu fossem outros tantos Vianneys, durante os passeios e recreios, aquela casa seria a imagem fiel dum convento de trapistas.

A 23 de junho de 1815, véspera da festa de seu santo protetor, Vianney foi ordenado diácono, na Igreja primacial de São João de Lião, por Mons Simon, bispo de Grenoble. Entre outras estavam ao lado de João Maria, Marcelino Champagnat, o futuro fundador dos irmãos maristas.

E no dia 13 de agosto do mesmo ano, décimo terceiro domingo depois de Pentecostes, João Batista Maria Vianney era ordenado presbítero pelo piedoso prelado, Mons. Simon. Naquele dia, era o único ordenado. Não o acompanhava nenhum parente nem um só amigo. Como lamentassem que o bispo se incomodasse por tão pouco, para ordenar um seminarista forasteiro, o sábio bispo ponderou: – não é grande incomodo ordenar um bom sacerdote.

Depois de tantas incertezas, fracassos e de tantas lágrimas, João Maria Vianney, aos 29 anos de idade, via, enfim, abertas as portas do Santuário.

O jovem sacerdote iniciou seu ministério sob a direção de seu grande amigo e benfeitor, padre Balley. Só após muitos meses após sua nomeação como coadjutor é que o padre Vianney recebeu as faculdades necessárias para ouvir confissões.

O MINISTÉRIO DE ÁRS

O nome Ars aparece em documentos antigos do século X. Uma carta de 980 informa que havia no povoado uma igreja construída e a organização de uma Paróquia.

Reza uma tradição que em fevereiro de 1818 quando o padre Vianney se dirigia, a pé, para assumir a cura da Paróquia de Ars, deu-se o seguinte diálogo ente o jovem presbítero e um pastorzinho a quem pedia orientação para a Aldeia de Ars: – Meu caro pequeno, tu me mostraste o caminho de Ars, eu te mostrarei o caminho do céu.

Movido pelo intuito de estar sempre disponível para seus paroquianos, instalou-se na Sacristia e assim podia trabalhar sob os olhares do Divino Mestre. Fez da Cômoda onde se guardavam os paramentos sagrados, sua mesa de trabalho. Ali manuseou Vida dos Santos, O Catecismo do Concílio de Trento, o Dicionário Teológico de Bergir, bem como os trabalhos espirituais de Rodriguez, Os Sermonários de Le Jeune, de Joly e de Bonardel.

Um episódio que ilustra o desvelo constante e vigilante do Padre Vianney. Nos domingos, após as Vésperas o zeloso pároco gostava e dar uma volta pelos campos em torno de Ars, com o intuito de verificar e conferir a observância do preceito dominical que ele tanto encarecia. Certo domingo de junho encontrou um homem que carregava sua colheita. Envergonhado ao se ver diante do Cura D´Árs, quis esconder-se atrás da carroça. – Oh, meu amigo, disse-lhe o Cura, com um tom de profunda tristeza. – Está confundido por me ter encontrado… Mas e Deus que o vê todos os dias? É a ele a quem deve temer.

- Nossa Cura, diziam nas conversas, – faz tudo o que diz e pratica tudo o que ensina. Jamais o víamos tomar parte em diversão alguma. Seu único prazer é falar com Deus.

- Um dia, – conta o então jovem missionário, Padre Monnin, – perguntei-lhe se os seus sofrimentos algumas vezes lhe fizeram perder a paz. Respondeu com celestial expressão: – é a cruz que nos infunde a paz em nossos corações.

Além das pregações muito incisivas e da catequese permanente, o zeloso cura incentivou e fortaleceu os grupos de orações constantes: as Confrarias do Rozário e do Santíssimo Sacramento. Por elas, cultivou uma elite espiritual que irradiava o estímulo constante da vida espiritual. Eis um episódio narrado pelo próprio Cura D´Árs: – Havia aqui na Paróquia um homem que morreu há poucos anos. Pela manhã, entrando na Igreja para rezar suas orações antes de ir ao campo, deixou os utensílios na porta e se esqueceu de si mesmo diante de Deus. Um vizinho que trabalhava no mesmo lugar e que costumava ve-lo, estranhou-lhe a ausência. Voltando, resolveu entrar na Igreja, julgando talvez encontrá-lo ali. De fato o encontrou. – Que fazes aqui, tanto tempo? – Perguntou-lhe. Ao que ele respondeu: olho para Deus e Deus olha para mim. O Cura d´Árs gostava de repetir esta singela narrativa. Sempre o fazia com lágrimas nos olhos.

Podemos avaliar a intensidade da aridez espiritual experimentada pelo Padre Vianney com a espantosa confidência que o próprio Vianney, em fevereiro de 1843, fez a muitas pessoas: Pensava que havia de vir um tempo em que me botariam para fora de Ars a pauladas, ou que Monsenhor me interditaria, vindo eu, mais cedo ou mais tarde, acabar num cárcere.

Naqueles tempos, ao terminar uma Campanha missionária, celebrava-se diante dos fiéis reunidos uma cerimônia em que os sacerdotes renovavam as promessas da ordenação. Em Trévoux, coube ao padre Vianney apresentar os evangelhos a cada um dos colegas pronunciando as palavras do ritual: crês nos Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo? Padre Vianney fê-lo com tanta piedade e unção que seu semblante e o tom de sua voz produziram uma profunda emoção em todos os sacerdotes.

Nesta altura de sua vida, o humilde e austero Cura de Ars já desfrutava de profunda admiração não só entre os fiéis como entre todo o clero. Eis um episódio que ilustra, ao mesmo tempo, este patamar de santidade em que já se encontrava o Padre Vianney e sua sincera e profunda humildade.

Por aquele tempo, narra ele próprio, fui convidado para pregar o Exercício das Quarenta Horas. Diante do convite do Pároco tinha-me escusado por considerar-me incapaz de falar diante de um auditório tão seleto. Mas o Cura me assegurou que se tratava de uma Paróquia rural. Fui.Vi, então, que tinha caído numa cilada! Ao entrar na Igreja, vi o coro cheio de eclesiásticos e a igreja repleta de pessoas de todas as condições sociais. No início, fiquei muito acanhado. Não obstante, comecei a pregar sobre o amor de Deus e parece que aquilo ainda ia bem: todos choravam!…

- Senhor Cura, – disse-lhe ingenuamente Catarina Lassagne: – Os outros missionários correm atrás dos pecadores, mesmo por terras longínquas, mas aqui, os pecadores correm atrás de V. Revma. E, ele, sobrenaturalmente delicado com estas constatações, respondeu no mesmo tom: – quase é verdade.

Seguindo a regra geral da liturgia, padre Vianney não empregava mais tempo que os demais. Em geral, em torno de meia hora. Antes da comunhão, parava alguns momentos, parecia conversar com Deus. Que belo era ve-lo quando celebrava a missa. E, observava o padre Luis de Beau, seu confessor, cada vez parecia-me ver um anjo no altar. Só o porte do cura d`Ars, enquanto celebrava a Missa converteu mais de um pecador.

Amava tanto o breviário que sempre o levava debaixo do braço. Falando das pessoas que se distraem na oração, dizia: as moscas afastam-se da água fervendo, só caem na água fria ou morna. Rezado o breviário e concluídas as confissões, pelas onze horas, dirigia-se à cadeira do catecismo. Ali, durante quinze anos, de 1845 a 1859, todos os dias da semana, o cura d`Ars se assentava para explicar singelamente o catecismo aos peregrinos. Mons. Allou, bispo de Meaux, que passou oito dias no Castelo de Ars, não perdeu um só dia do catecismo e saia maravilhado. Os padres missionários, quando podiam, ficavam ouvindo seu catecismo para beber-lhe a santidade que emanava de suas palavras, ungidas de fé. Quando o afluxo de peregrinos se intensificou em Ars, foi –lhe dado um coadjutor. Este transferia todo o ministério exterior, exceto o da visita aos enfermos. Os sacerdotes pediam que lhes fosse permitido acompanhá-lo até a cabeceira dos enfermos a fim de se edificarem e se instruírem. Um deles, Pe. Tailhardes observou: dir-se-ia que via com os próprios olhos as coisas de que falava.

ARS NÃO É MAIS A MESMA

Relato de um viajante que passou por Ars, à época do Padre Vianney: Três homens arrastavam com dois cavalos uma árvore cortada. Chegando a um riacho, o Fontblin, um dos cavalos recuou, pisou em falso e caiu, ferindo-se. Os homens acudiram, tirando o animal da penosa situação. Nenhum dos três deu sinal de cólera, nem proferiram imprecações, nem surraram o pobre animal. Tão grande domínio de si era para mim coisa nunca vista!

O Cura D´Árs recomendava aos seus paroquianos o abençoai, Senhor e a ação de graças antes e depois das refeições e a recitação do ângelus, três vezes ao dia, onde quer que se achassem e sem respeito humano.

Logo que as três badaladas soavam pelo vale e transpunham as pequenas colinas, cessava o trabalho. Os homens se descobriam. As mulheres juntavam as mãos. Todos rezavam as orações prescritas pelo zeloso pároco. Mas tal proceder merecia zombarias dos aldeões vizinhos. Diziam eles: se fordes atrás de vosso cura ele vos converterá em capuchinhos!

Mas essas pilhérias em nada abatiam o bom ânimo dos fiéis paroquianos que respondiam: Nosso Cura é um santo e a ele devemos obedecer.

De 1830 a 1845, chegavam diariamente a Ars de 300 a 400 pessoas. Durante o último ano que o santo viveu, segundo afirms Francisco Pertinand, o número de peregrinos chegou a 80 mil, contando só os que usavam carro de serviço. O total dos peregrinos chegaria a cento e vinte mil. Nestes tempos, o abnegado e santo pároco permanecia no Confessionário por 16 a 18 horas.

CURA d´ARS E O DEMÔNIO

Dionísio Chaland, de Bouligneux, jovem estudante de filosofia, num dia de junho de 1838: Ajoelhei-me no seu genuflexório, para confessar-me, no quarto do próprio santo. Quase pela metade da confissão, um tremor geral agitou toda a peça; o genuflexório se moveu. Levantei-me aterrorizado. O Sr. Cura agarrou-me por um braço.- Não é nada, disse ele. É o demônio.

A quatro de fevereiro de 1857 o santo se pusera a ouvir confissões. Pouco antes das sete, as pessoas que passavam diante da casa paroquial viram que saíam chamas do quarto do padre Vianney. Foram avisá-lo: Sr. Cura, parece que há fogo no seu quarto. Enquanto lhes entregava a chave para que fossem apagá-lo, observou, sem muita preocupação: Esse vilão do demônio, não podendo pegar o pássaro, queima-lhe a gaiola.

Em 1826, durante uma missão em Montmerle. Durante a noite, ouviu-se um barulho de carro que fazia estremecer o chão. Parecia que a casa vinha abaixo. Produziu-se no quarto do Cura d´Ars, uma tal algazarra que o Pe. Benoit gritou: Estão matando o padre Vianney. Todos correram para lá. Mas o que viram? O santo estava deitado tranquilamente no seu leito, que mãos invisíveis tinham arrastado para o meio do quarto. Foi o demônio, disse ele, sorrindo. Não é nada. Sinto muito não vos ter prevenido. É bom sinal… Amanhã cairá um peixe graúdo.

Quem seria esse peixe graúdo? Vigiaram seu confessionário. De fato, no dia seguinte, após o sermão, viram depois do sermão, o Sr. De Moras, nobre cavalheiro, que, atravessando toda a igreja foi confessar-se com o cura d´Ars. Aquele cavalheiro tinha descuidado seus deveres religiosos há muito tempo. Seu exemplo causou profunda impressão nos habitantes de cidade.

INVIDIA CLERICALIS

O Sr. Cura, – diz Joana Maria Chanay, a lavadeira do orfanato e da casa paroquial, – gostava naturalmente da ordem e do asseio. A prova disso está em que mudava constantemente a roupa branca. Claro que este detalhe não era do conhecimento do público. Voluntariamente, por espírito de mortificação e de humildade, trajava uma batina usada, um chapéu velho e uns sapatos remendados que jamais recebiam graxa.

Mesmo nas conferências de eclesiásticos se apresentava pobre e desprezível. Os sacerdotes de Lião que cultivavam a dignidade do porte não aprovavam, naturalmente, a aparência displicente do padre Vianney. Alguns o taxavam de avaro. Uns acreditavam que lhe faltava senso comum. Outros ainda acusavam-no de hipócrita, possuído dum secreto desejo de chamar a atenção. Daí o menosprezo e as antipatias.

Um pároco vizinho não quis assentar-se ao lado dele por não trazer chapéu mais conveniente. Alguns lhe dirigiam gracejos, como: – Quando se diz cura d´Ars se diz tudo. Mas nenhum destes gracejos lhe roubavam a sua perene jovialidade e amabilidade.

Certa ocasião, o Bispo de Balley presidia um jantar de encerramento da Missão na casa paroquial de Trevoux. Quis que o pároco Vianney se assentasse ao seu lado. Seu gesto tinha a clara intenção de reprovar o descaso dos colegas e manifestar sua estima para com o humilde sacerdote.

Inconformado, um dos maledicentes fez questão de murmurar em tom suficiente para ser ouvido por todos. – O cura d´Ars, que está ao lado do bispo, nem sequer tem uma faixa.

É de crer-se que, àquela época, a faixa não era parte essencial do hábito eclesiástico, uma vez que o padre Vianney foi sempre muito cioso em seguir fielmente todas as normas da Igreja. A resposta veio de um ancião do clero:- o Cura d´Ars sem faixa vale mais que outros com faixa . – Muito bem dito, exclamou o bispo. E deixaram o santo em paz.

O Padre João Luiz Borjon, nomeado pároco de Amberiéux, distante oito quilômetros de Ars, muito jovem, e um pouco estouvado, foi tomado de ciúmes ao verificar seus paroquianos peregrinando para Ars, para ver e ouvir o Padre Vianney. Dirigiu-lhe então a seguinte carta: Sr. Cura, quando alguém sabe tão pouca teologia, como Vossa Revma., não deveria sentar-se num Confessionário.

O cura d´Árs, que raramente escrevia, redigiu-lhe a seguinte carta: Meu querido e venerável colega, quantos motivos tenho eu para amar V. Rema. É o único que me conheceu bem. Visto que é tão bom e se dignou interessar-se por minha pobre alma, ajude-me a conseguir a graça que peço há muito tempo, a fim que eu seja removido do meu cargo do qual não sou digno por causa da minha ignorância, e possa retirar-me a um canto para ali chorar minha pobre vida.

Profundamente comovido, o padre Borjon foi, o mais rápido possível, prostrar-se aos pés do ofendido. O Cura d´Árs que já tudo esquecera acolheu-o de braços abertos e apertou-o ao coração.

O MITO DE UM JOÃO VIANNEY BURRO

A aparência displicente e o pouco caso que o próprio Padre Vianney dispensava a si próprio alimentaram um mito de que era ignorante. Considerava-se muito ignorante, escrevia Catarina Lassagne. Em sua sincera humildade, gostava de comentar: o padre Balley tentou durante cinco ou seis anos ensinar-me alguma coisa. Perdeu o seu latim e não conseguiu meter-me nada na cabeça dura.

Claro que não era um intelectual nem um leitor voraz dos clássicos. Entretanto, a própria Baronesa que com ele se confessava habitualmente testemunhou. O padre Vianney fala o francês corretamente. Quando falava para pessoas simples ou rudes se permitia a fala coloquial eivada de incorreções gramaticais. Mas isto era proposital.

O Padre Raymond, seu primeiro coadjutor diz: eu mesmo lhe arranjei os Exames de Valentim e a Teologia Moral de Gousset. Padre Vianney repassava estes autores todos os invernos. Uma hoteleira contou-me, disse Catarina Lassagne que certo sacerdote, hospedado em sua casa, viera para sondar o padre Vianney. E que o tinha interpelado na sacristia, decidido a apertá-lo com suas perguntas, mas que perturbado com sua presença não soubera dizer mais nada. – Preguei diante de bispos, porém nunca me senti tão intimidado, confessou depois.

Dizia o padre Vianney em sua humildade: Em toda família há um filho mais rude que os irmãos. Pois bem, entre nós eu sou este filho.

Na velhice, ao ver um retrato seu desenhado de forma um tanto grotesca, disse sorrindo:

– Sou eu mesmo. Vejam como tenho um ar de idiota.

ÂNSIAS DE SOLIDÃO: – FUGAS

Este é um capítulo, no mínimo, intrigante, da vida do padre João Vianney. Empreendeu inúmeras tentativas de fuga de Ars. Em parte, movido por uma humildade profunda que, por um lado, o levava a creditar-se indigno, incompetente e, por outro lado, um aterrador sentido da gravidade da missão de guiar e zelar pelas almas. Entendia que sendo ignorante e incapaz seria tentar a Deus aceitar a cura das almas. Desejava ardentemente ocultar-se num pequeno recanto, onde, costumava dizer pudesse chorar sua pobre vida.

Dirigiu aos bispos sob os quais serviu inúmeras cartas implorando dispensa de tão grave peso. Mas nenhum deles o atendeu neste intento, embora, e talvez por isso mesmo, exatamente porque o conheciam bem e o tivessem em alta estima. Nem mesmo o retiro anual do clero que Vianney tanto amava lhe era consentido participar. Suas Excelências costumavam justificar: V. Revma. não precisa fazer retiros mas os pecadores precisam muito de V. Revma. Os três que ocuparam a cadeira episcopal, se opuseram energicamente ao seu intento de dispensá-lo do múnus pastoral, à frente da Paróquia. Durante o último mês de vida ainda falava em retirar-se.

Eis o que declarou Mons. Langalerie na oração fúnebre do padre Vianney: – Ah, Mons, – nos dizia ele, faz 15 dias apenas, – eu lhe pedirei em qualquer tempo, de me deixar partir para chorar os pecados de minha vida. –Mas, meu bom Cura, lhe respondíamos, as lágrimas dos pecadores que Deus envia, valem bem as suas. E todas as nossas palavras de encorajamento e afeto não pareciam convencê-lo.

Esteve na Paróquia de Ars por 41 anos, sempre contra a vontade. Confidenciava ao Conde de Garets, burgomestre de Ars: desde os 11 anos tenho pedido a Deus a Graça de viver na solidão, porém minhas súplicas nunca foram ouvidas. Justificava ainda este seu desejo: Não gostaria de morrer como pároco porque não conheço nenhum santo que tenha morrido neste cargo.

RETRATO FÍSICO, MORAL E ESPIRITUAL

Por recomendação médica, padre Vianney fez consistir sua frugal refeição numa simples tigela de leite. Os que o viam, com um pobre comum, passar pela Praça da Igreja levando às mãos sua tigela de leite se decepcionavam. Diziam: – É isso, o Cura d´Árs?

De estatura abaixo da mediana. Já no fim de sua vida, andava com a cabeça inclinada sobre o peito e o dorso encurvado. Parecia menor ainda. Testa alta, larga e aberta; sobrancelhas cerradas, órbitas profundas, em cujo centro brilhavam dois olhos azuis, de uma vivacidade estranha e sobrenatural, e donde saíam olhares cândidos, mas profundos, intensos e perscrutadores. – Parecia ler o interior, diz o Pe. Dionísio Chaland. – Quando os seus olhos se encontravam com os meus, penetravam até o mais profundo de minha alma. Conheci uma pessoa que afirmava se ter assustado. Às Vezes, os seus olhares resplandeciam como um diamante.

O Cura tivera na juventude aspecto vigoroso, mas, pelos jejuns, seus membros se foram adelgaçando. As mãos descarnadas, com as veias salientes.

Todo o seu prazer, conta Padre Luís Beau, confessor do cura d´ Ars era falar em assuntos espirituais. Encantado com os modos sublimes do Cura d´Árs, um poeta francês assim o definiu: – Nunca vi Deus assim tão de perto!

Uma de suas grandes provações foi quando viu que seu retrato estava exposto por todos os recantos da aldeia. Um dia, ao passar em frente de uma vitrina, em que se achava seu retrato, perguntou o preço. – Cinco franco, lhe responderam. Observou: – é muito caro. O senhor não o venderá nunca. O Cura d´Árs não vale tanto.

Padre Vianney nunca falava do pecado ou dos pecadores sem demonstrar grande comoção. Não raro, ao distribuir a sagrada comunhão, as lágrimas caíam-lhe sobre a casula. Já na parte final de sua vida, não podia pregar sobre a Eucaristia, a bondade e o amor de Deus e sobre as delicias do céu, seus temas preferidos, sem ser interrompido pelas lágrimas.

Chorava ao ver o espetáculo mais humilde da natureza. – Outro dia, – contava ele, numa prática dos primeiros anos, – eu voltava de Savigneux. Os passarinhos cantavam no bosque, e eu me pus a chorar. Pobres animaizinhos, pensava eu, Deus vos criou para cantar e vós cantais. O ser humano, entretanto, que foi feito para amar a Deus não o ama !

OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE UM SANTO

No último ano de sua vida, o cura d´Ars viu passar por sua igreja, pelo menos uns cem mil peregrinos. Diante de tal afluência, havia em Ars diversos sacerdotes para auxiliar o santo cura. Mas muitos não se conformavam e preferiam ficar até seis dias para poder falar-lhe por alguns minutos. O abnegado sacerdote embora reduzisse seu precário descanso a uma ou duas horas por dia não vencia a avalanche dos que o procuravam. Seus catecismos a que se dedicava com extremado amor, já não passavam duma série de exclamações que acabavam em lágrimas. A custo se podia ouvi-lo ou entende-lo. Com sobre-humano esforço, sua voz debilitada por uma tosse intermitente, quase não lhe permitia articular mais palavras inteligíveis.

Eis o relato do jornalista, Jorge Seigneur, em março de 1859, cinco meses antes de sua morte: O cura d´Ars estava no confessionário. Apenas me ajoelhei, ouvi um soluço que não posso reproduzir: era um gemido de sofrimento? Era um grito de amor? Cada dez minutos o soluço se repetia.

Enquanto lhe restou um pouco de energia, o santo cura esteve confessando e abençoando. Conscientemente, deixou-se imolar, no altar dos seus sagrados deveres. Por eles, deu até sua última gota de sangue e vida. Não lhe restando mais força alguma, resignou-se humildemente a que por mãos de amigos mais chegados repousassem seu minguado corpo – pobre cadáver – como gostava de chamá-lo, sobre sua humilde enxerga.

Já sem fala e exangue, vez por outra esboçava doce sorriso de benevolência e agradecimento ao pequeno conforto que lhe buscavam oferecer. Lúcido e em pleno gozo de todas as suas faculdades até o último instante de vida. Depois de receber o viático ainda poude reconhecer e esboçar com um sorriso, seu agradecimento pela visita de seu bispo Mons. Langalerie a quem logo poude reconhecer.

O mês de julho de 1859 foi verdadeiramente abrasador. Fora das casas parecia-se respirar fogo. Prostrado já mortalmente em seu leito, ainda poude pressentir seu momento derradeiro e pediu que lhe chamassem seu confessor, o Cura de Jassans. Chamado também o médico este constatou que o enfermo tinha chegado a uma debilidade extrema. E ainda declarou: se o calor diminuir ainda haverá alguma esperança.

Muitos dos seus queridos paroquianos, movidos de terna compaixão pelo seu santo cura, chegaram a estender sobre o telhado grandes toalhas que, trepados em escadas molhavam de quando em quando para mitigar a penúria de seu querido pároco. Era um testemunho silencioso de devotamento pelo amoroso pastor que não vacilou em dar toda sua vida pelo amado rebanho.

Finalmente, no dia 4 de agosto de 1859, às duas da madrugada, enquanto nos céus de Ars se desencadeava violenta tempestade, João Maria Batista Vianney, sem agonia, entregou sua alma ao seu Bom Deus. Contava então, setenta e três anos, dez meses e vinte e sete dias e fazia quarenta e um anos, cinco meses e vinte e três dias que era cura de Ars.

A 14 de agosto de 1859 o corpo foi depositado numa sepultura aberta no centro da nave. Sobre ela foi colocada uma lápide de mármore preto em que se gravaram em forma de cruz um cálice e esta simples inscrição: Aqui jaz João Maria Batista Vianney, Cura d´Ars.

A 8 de janeiro de 1905, o papa Pio X assinou o decreto de beatificação do cura d´Ars. No dia 12 de abril de 1905, Pio X declarou-o Patrono de todos os sacerdotes que têm cura de almas na França e nos territórios de seu domínio. E a 28 de setembro de 1925, quinze dias depois da canonização de Terezinha do menino Jesus, o humilde pároco de Ars era canonizado pela Papa Pio XI.