UMA PÁGINA A INSERIR NA NOSSA HISTÓRIA
Acabava eu de chegar da África a um país pouco conhecido e trabalhava de dia e frequentava à noite a Faculdade a fim de enfrentar um novo destino. Entretanto mantinha-me atento a tudo o que acontecia no Brasil com padres que, ao optarem pelo casamento, tiveram de abandonar o ministério. Guardo de então velhos recortes de jornais onde encontrei a história que agora reli com emoção e que, embora tarde, me sinto obrigado a divulgar.
O protagonista não consta nas páginas de nenhuma hagiografia. Consideraram-no louco e ele estagiou na psiquiatria de um Centro de Saúde. Depois submeteu-se à análise individual e grupal com um psiquiatra, o dr. Geraldo de Paula Barros, que lhe concedeu um laudo psicológico de pessoa perfeitamente ajustada ao seu meio e à vocação sacerdotal, emocionalmente senhor de si, mental e psiquicamente normal.
Frei Juvenal Irineu Sansão, era o seu nome. De ascendência ítalo-germânica, nasceu em 8 de maio de 1927, em Gaspar, Santa Catarina, e ordenou-se sacerdote, na Ordem Franciscana, em 1954.
Obteve a licenciatura em Filosofia na Faculdade de São João Del Rei, Minas Gerais. Depois viajou para a Europa, a fim de completar ali os estudos. Licenciou-se em Teologia pela Faculdade Católica de Lyon, França. Na Alemanha, matriculou-se nas Faculdades teológicas de Trier e Münster onde preparou a tese doutoral,“Aspectos teológico-pastorais da pregação no culto divino à luz do Vaticano II”. Defendeu-a em Roma, com “summa cum laude”, na Pontifícia Universidade Lateranense.
Regressado ao Brasil, foi professor da PUC do Rio, lecionou nos colégios dos padres franciscanos e, de 1973 a 1975, foi subsecretário para assuntos gerais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Nessa época, mantendo correspondência com 2.300 padres casados, constatou que 99% desejariam continuar a exercer plenamente o ministério. Com tais dados, motivou a Comissão Nacional do Clero a submeter à XIV Assembleia Geral da CNBB, realizada em Itaici, um documento elaborado pelo bispo de Lins, dom Pedro Paulo Koop, que devolvia aos padres casados a possibilidade de se tornarem párocos. O documento teve seis dos seus oito itens aprovados, por maioria absoluta, em votação secreta. Mas faltou a decisão final, a do Papa, e tudo ficou como dantes.
Mas, para Frei Juvenal , a Igreja cometia uma grave injustiça. E era tal a sua obstinação na defesa do celibato optativo, de um tratamento mais cristão aos padres afastados do ministério por causa do casamento, que muitos hierarcas da Igreja passaram a considerá-lo louco.
Na festa da Epifania de 1976, justificando o seu sacrifício, pôs fim à vida com um tiro em Aparecida. Deixava este testamento:
“Sinto-me agora intimamente comovido. O que tenho a dizer?” (Jo.12.27). “Vivendo, vivemos para o Senhor; morrendo, morremos para o Senhor” (Rom. 14.8). “Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam com sangue” (Hebr. 9,22). Num gesto profético de auto-imolação consciente, sacrifico a Deus minha vida, implorando o Espírito Santo, para que fortifique, com os dons do discernimento e fortaleza, o Sumo Pontífice e os Bispos da Igreja Católica Apostólica Romana, movendo-os a sancionar para o Clero o celibato optativo, facultando aos eclesiásticos que se casam, o exercício pleno e público de suas funções sacerdotais.
Certo da sua compreensão e solidariedade peço como o Apóstolo São Paulo: “Reze por mim. Tenho esperança de ter agido bem” (Hebr.13,18). Frei Juvenal Irineu Sansão, O.F.M.
Num “post scriptum” que acrescentou ao testamento, o sacerdote manifestou o interesse da sua divulgação: “Favor divulgar este testamento na forma redacional que melhor convier, contanto que não se deturpe a intenção do autor. O mesmo”.
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE, 16 de maio de 1977// Síntese: Luís Guerreiro