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Entrevista Tavares ao Jornal O Estado do Maranhão
Entrevista Tavares ao Jornal O Estado do Maranhão

O senhor falou que existem em São Luís pelo menos 25 padres casados e no Maranhão aproximadamente 30. Se eu não estiver errado, isso signfica quase 20% do número de sacerdotes da capital. 1. O que acontece para existir um número tão grande de padres que deixam de exercer sacramentos para levar uma vida de casado? 2. E outra, todos são maranhenses/ludovicenses ou apenas estavam trabalhando no Maranhão/São Luís?

João Tavares – Aconteceu que, a um certo momento da sua vida, o Padre não se sentiu bem e optou por deixar o Ministério sacerdotal e casar. A maioria pediu licença ao Papa para ser desobrigado dos compromissos que assumiu quando foi ordenado, inclusive o do celibato obrigatório. Os motivos podem ter sido bem variados: isolamento, dificuldades de relacionamento com os colegas, decepção com a Hierarquia ou com o trabalho pastoral. Frequentemente, também pelo peso natural do celibato, pela falta de carinho, de afeto e de comunhão mais profunda com alguém. Em geral essa opção é feita com muito sofrimento, pois não é à toa que se passa entre 10 e 15 anos no seminário, se fazem dois Cursos Superiores (Filosofia e Teologia), se aprendem até 5 ou 6 línguas e se entrega a vida por uma grande causa… Deixar tudo isso para trás não é nada fácil. E deve ser por um motivo muito sério. Naturalmente estou falando dos padres casados da minha geração,que se ordenaram entre 1955 e 1980. De lá para cá a conversa já é diferente e o nível tem caído muito. Em todos os sentidos.

2. Temos cerca de metade maranhenses e/ou brasileiros e outra metade estrangeiros chegados aqui como missionários, de vários países: Itália, Canadá, Portugal, etc. - Esse processo de padres casados é um fenômeno recente ou é uma questão mais antiga? - Outra: o senhor sabe, qual foi o primeiro padre a se casar no estado?

João Tavres – O grande êxodo aconteceu logo após o Concílio Vaticano II, ou seja do fim da década de 60 até aos anos 80. Esses formam o grupo histórico, em parte congregado hoje, no Brasil, no Movimento dos padres Casados e suas Família (MPC) de que nós aqui em S. Luís também fazemos parte. Era gente muito bem preparada intelectual, espiritual e pastoralmente. Pelo que me consta, a imensa maioria conservou sua fá e muitos têm uma boa vivência religiosa. Dos anos 90 para cá, já é outra história. Muitos têm saído e continuam a sair, mas têm pouca sintonia com os mais antigos, devido à grande diferença de formação. Muitos saem e nem o Bispo avisam. Nem nos procuram. Devemos ter mais de 15 nestas condições no Maranhão, perdidos por aí. - Pelo que eu sei, um dos primeiros que deixou foi o Pe. Astolfo Serra, o que escreveu o livro: A Balaiada. Antigo também, o Pe. Newton Neves que era diretor de um colégio em Colinas. E um italiano, Pe. Fiorini, da então Prelazia de Pinheiro, que fugiu de Turiaçu para casar com Dalila e suscitou muita admiração e escândalo farisaico. Além do Pe. Cincinato, de Loreto, que casou em S. Luís e teve 5 filhos.

 - Quando um padre se casa, logicamente, a vida dele se transforma completamente e deixar de exercer sacramentos é apenas uma das mudanças. - Quais são as outras mudanças? No aspecto financeiro, no aspecto social, os preconceitos (se existiram)…

- Outra: existem padres que mesmo sem poder exercer sacramentos, acabam fazendo por questões meramente de convicção, como foi o caso do Padre Oziel, que acabou expulso. O senhor também chegou a exercer sacramentos mesmo não podendo mais?

João Tavares – A de deixar de ministrar os Sacramentos é a mudança que mais aparece. O Papa só autoriza a casar se o Padre aceitar ser reduzido ao estado de leigo, como se dizia, erradamente, na linguagem eclesiástica, já que, quem é padre nunca deixa de o ser. De fato, o novo Direito canônico (CJC) não usa mais essa expressão, não por apreço ao padre que sai, mas por deferência ao leigo, muito valorizado nos textos do Concílio Vaticano II. Portanto não é verdade o que às vezes se ouve por aí, de alguns, que saíram e andam dizendo que o Papa os autorizou a continuar ministrando os sacramentos. Isso é enrolação, aliás, mentira. Se bem que o Bispo, se quiser, pode autorizar, em casos especiais, o Padre casado a exercer o Ministério, inclusive a ser pároco. Há alguns casos assim no Brasil. Muitos, Brasil afora, estão bem engajados em vários trabalhos pastorais, ligados ou não a dioceses e/ou paróquias. A adaptação ao mundo da realidade social, política e econômica, também não foi fácil. Alguns precipitaram-se, não escolheram direito e casaram com mulheres bem abaixo do nível intelectual deles. Isso pode ter complicado. - Outras mudanças? Muitas, a começar pela necessidade de encontrar um tabalho, para não morrer de fome ou, na maioria dos casos, para singrar bem na vida. Muitos escolheram o Magistério, pois se licenciaram em Filosofia. Alguns fizeram outros Cursos afins, de que já tinham amplas noções: Direito, Letras, Psicologia, Sociologia, Antropologia… Alguns encontraram muitas dificuldades para se inserirem no mundo concreto. Mas, pelo que conheço a nível de Brasil, a maioria conseguiu um emprego ou trabalho condigno. - Preconceitos do Povo? Eu não encontrei. Nosso povo está muito aberto apara essa realidade. Convive com Pastores casados e tem bom senso. Esse é um problema só da Hierarquia, sobretudo do Vaticano, pois várias vezes episcopados inteiros e bastantes Bispos, pessoalmente ou em pequenos grupos, quiseram levantar o problema do celibato, inclusive agora antes do último Sínodo, mas o Vaticano sempre veta o assunto. - Se ministrei sacramentos? Em geral não, só em casos especiais como aquela vez em que meu pároco desmaiou e eu subi ao altar e terminei a Missa. Era minha obrigação moral. O Povo, que me conhecia bem, gostou da minha atitude. Em alguns casos especiais, concelebro a Missa. Batizei minha neta e espero batizar meus outros futuros netos e casar minhas filhas, se o Bispo não impedir. E sei que ele, gente bem aberta, não vai impedir, se eu lho pedir. O próprio Direito Canônico me permite e, em alguns casos até me obriga, a ministrar sacramentos (Can. 976, 986 e 1335 do CJC))

- O senhor é casado há quantos anos? Como foi a sua história (depois de quanto tempo de padre o senhor conheceu a sua esposa, onde foi, como isso aconteceu, quantos filhos os senhor tem agora, os sentimentos de dúvida – caso houve em relação à Igreja e ao amor de sua esposa – entre outros detalhes), o senhor poderia detalhá-la para nós, por favor?

João Tavares – Sou casado há 29 anos. Após 11 anos de Ministério sacerdotal, pois fui ordenado em 1967. Trabalhei na Diocese de Balsas até 1976 e em S. Luís até 1978. A um certo momento começou um desgaste no meu relacionamento com a minha Congregação, a dos Combonianos. Eu estava esperando destinação dos Superiores maiores, que custou a chegar. Conheci Sofia em 1976, eu entrando, ela saindo da casa dos Combonianos. - Quem é esta portuguesinha linda? – perguntei. Gostei dela, ela gostou de mim, mas eu não pensava em casar. Conversamos bastante, cresceu nossa amizade. Em Fevereiro de 1977 chegou minha destinação para Portugal, mas esqueceram de perguntar meu parecer. Fui, contra minha vontade, e disse à Sofia que, mesmo gostando muito dela, não lhe podia prometer nada, pois não sabia qual nem onde ia ser meu futuro. Deixei-a em total liberdade de decidir seus rumos. Depois de ampla conversa com os Superiores em Roma e de ter conversado com várias pessoa amigas no Brasil e na Itália, fui para Lisboa, onde trabalhei na Congregação, até Dezembro de 1977. De acordo com os Superiores, resolvi então voltar para o Brasil, mas para a Arquidiocese de S. Luís, atendendo a antigo pedido de D. Mota que foi um Pai para mim nessa não fácil travessia do ministério para o casamento e para a vida civil. Entrei como professor na Escola Técnica e na Universidade Federal, pois eu havia decidido me manter sozinho, pelo meu trabalho, já que tinha perdido a confiança na Congregação dos Combonianos com meu chão. Casamos em 1979 no civil, pois a dispensa do Papa só chegou 13 anos depois de pedida. Temos duas filhas de 25 e de 24 anos e uma neta. Dúvidas não houve e não há. Mas às vezes sinto saudade do meu tempo de Ministério. Apesar dos sofrimentos físicos e morais, foram 11 anos felizes e de muito boas realizações. Vivi com intensidade a pastoral da Teologia da Libertação expressa nas Comunidades de Base. E procurei me equilibrar perante o governo militar que seguia meus passos com muita atenção. Sabia que o exército vinha de vez em quando até Balsas se informar de mim e de outro colega, mas nunca liguei muito para isso. Mais tarde eu soube que quase fui preso numa fazenda do Piauí, ao responder a uma pergunta-arapuca do então comandante do 25 BC, o coronel Ribeiro. Mas a mãe dele, dona da fazenda, não permitiu. - Tecnicamente Padre, como acontece o “desligamento” do Padre que optou pelo casamento. Ele manda uma carta para o arcebispo, como funciona esse processo passo a passo… João Tavares – Tem que ser feito um pedido de dispensa a Roma, expondo os motivos de maneira muito convincente. Através do Bispo, se o Padre é diocesano; através dos Superiores Maiores, se ele é religioso de Ordem ou de Congregação. Bem que D. Mota, o arcebispo, me disse para carregar nas tintas, ao falar dos motivos por que estava pedindo a dispensa de Ordens, mas, pelos vistos, meus motivos não convenceram o Vaticano. Tanto assim que, uns 11 anos depois, me disseram que eu não tinha motivo forte para ter saído e que, se quisesse, podia voltar. Respondi que: - Saí porque eu quis sair, para preservar a minha humanidade. Mas até posso voltar, se me aceitarem com Sofia e as duas crianças, já que sou um homem de responsabilidade. Mandei junto certidões de nosso casamento e de nascimento das meninas. Além de uns palavrões em italiano, pela imoralidade da proposta deles. Pouco tempo depois chegou a dispensa, quando eu já nem esperava por ela, pois me sentia bem casado, diante de Deus e diante dos homens. Mas gostei e fizemos o casamento religioso público e solene, na igreja do Calhau, concelebrado por 5 padres amigos e cantado em Gregoriano. com a igreja cheia de familiares e amigos. Contra todas as superadas e ridículas recomendações do Decreto de Dispensa que exigia sigilo e falta de pompa. Felizmente nossos bispos e padres são bem mais abertos e humanos que os do Vaticano.

 - A Igreja Católica vive hoje um problema que é a falta de padres não somente no Maranhão, mas no Brasil. O senhor acredita que a questão do celibato atrapalha a renovação dos padres em São Luís e em todo o Brasil? João Tavares – Sim, com certeza. Sem a obrigação do celibato, provavelmente haveria mais sacerdotes e muito menos problemas morais e psicológicos entre o clero.

- O senhor é a favor do fim do celibato na Igreja Católica? E por quê?

João Tavares – Pessoalmente, não sou contra o celibato. Vejo um grande valor nele: mais liberdade para se entregar ao trabalho da Igreja, ao serviço do Povo de Deus. Mas isso só teria sentido para padres que tivessem, realmente, dedicação exclusiva para o Ministério. O celibato em si não é um valor, mas uma privação de algo muito natural e muito positivo que é o amor erótico, o sexo e a família. Ele pode, sim, ser uma opção livre da pessoa para dedicar inteiramente a sua vida a uma causa muito nobre e importante. Mas nunca imposto por uma autoridade humana, contrariando a autoridade divina que nos criou homem e mulher e nos mandou: - Crescei e multiplicai-vos. Sendo assim, aceito o celibato livre e não imposto, mas com duas condições: que o padre seja autêntico na vivência do seu celibato, não com vida dupla ou tripla; e que nele se realize como homem inteiro, vivendo-o com alegria e irradiação positiva, sem sub-rogados ou substitutivos: fumo, álcool, hiper-ativismo, neuroses, vida amarga, ganância, poder, sendo político ou professor, etc. Pois, com diz S. Paulo, “é melhor casar do que abrasar”. E, como digo eu e muitos outras pessoas sérias: mais vale um padre casado honesto que dez padres solteiros que não cumprem seu compromisso de celibato ou vivem na amargura, na neurose ou, à sombra dele, vivem uma vida desonesta e põem em perigo as filhas e os filhos das nossas famílias.